domingo, 30 de novembro de 2008

Fanfarra solidária

Como só descarreguei minha máquina fotográfica ontem (e gostaria de ilustrar o post) o comentário vai ficar um pouco distante do acontecido, mas não queria deixar passar. Há umas duas semanas estava passando pelo Largo do Machado e escuto o som de alguns instrumentos de sopro. O som me chama atenção e chego mais perto para ver; a banda se chama Globenote. Assim como eu, outros curiosos se aproximaram e uma platéia se formou para ver a tal banda que, depois fiquei sabendo, estava ali, não apenas para se divertir, levar um som e quebrar um pouco a rotina dos passantes, mas também para ajudar na divulgação de uma ONG que trabalha com crianças de rua. O ritmo da fanfarra tocado por jovens franceses levou aos ouvidos dos passantes não só boa música como a história do importante
trabalho realizado pela ONG "Se Essa Rua Fosse Minha", localizada na Rua Alice, em Laranjeiras. O SERFM é fruto de um projeto idealizado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e tem a função de atender crianças e jovens em situação de rua. A partir de atividades artísticas, lúdicas e esportivas, dentre as quais destaca-se o circo, a ONG procura dar a esses meninos e meninas uma alternativa de vida. A opção pela linguagem circense como estratégia de reintegração social e autovalorização encontrou parceiros como o Cirque de Soleil e a ONG canadense Jeunesse du Monde.
Leia mais sobre a ONG aqui.

domingo, 23 de novembro de 2008

Quarett, uma releitura de "Les Liaisons Dangereuses"


Assisti há alguns dias a peça Quartett, com a Beth Goulart e seu irmão Goulart Filho, fiquei com vontade de escrever alguma coisa, mas só agora parei para fazê-lo.
A peça é uma adaptação de 1981 do dramaturgo Heiner Müller, do livro Les Liaisons Dangereuses (1782), de Chodelos de Laclos, que também ganhou uma versão cinematográfica (de mesmo nome), com direção de Stephen Frears e atuação de Jonh Malkovich e Michelle Pfeiffer. O livro, escrito no séc. XVIII, foi influenciado pelo Iluminismo e retrata a decadência dos hábitos e costumes da aristocracia francesa em favor da liberdade de pensamento - que na peça restringe-se mais às questões morais ligadas aos sentimentos. Na adptação para o teatro, Müller não fez questão de situar a peça espaço-temporalmente, ateve-se, apenas, ao jogo dos dois personagens principais: Merteul e Valmont, que acabam por dar vida a outros personagens importantes da trama. Beth Goulart, é, então, Madame Merteul, a jovem inocente Cecile e ainda divide com o irmão o papel de Valmont. Goulart Filho interpreta o conquistador Valmont e Madame Turvel. A transformação dos personagens se dá em cena é um banho de interpretação!
Com direção de Victor Garcia Peralta a peça ganha contornos contemporâneos e os personagens formam mais um casal de cidade grande, onde a dissimulação dos sentimentos dos personagens ganha papel principal. O desejo toma a cena e move todo o enredo, ele é a base do jogo de sedução e interesses que trás consigo uma gama de sentimentos desagradáveis e dependentes, vivenciados pelos personagens. Para satisfazê-lo eles são capazes de corromper, reprimir, simular e assim manter o jogo das aparências - talvez o mais conhecido entre nós, porque vivemos numa sociedade extremamente hipócrita.
A peça estará em cartaz no Teatro Leblon até 20 de dezembro.

Leilão do Ar

Esse foi o título da primeira crônica de Carlos Drummond de Andrade, publicada no Jornal do Brasil em 2 de outubro de 1969. Em seu texto, Drummond revela sua perplexidade diante de um fato triste e obscuro. O governo de Castelo Branco tira dos ares os aviões da empresa que era o símbolo da aviação nacional e faz um leilão com suas quinquilharias - ops... quinquilharias não, porque a Panair tinha um padrão e era esse: talheres de prata, copos de cristal, porcelanas Limonge, tudo para sustentar o glamour que pairava sobre a atividade naquela época. Mas porquê tal assalto? 
A resposta não ficou bem clara ainda hoje, e a história que estava engasgada na garganta dos ex-funcionário, ou melhor, da "Família Panair", é contada pelos órfãos da empresa no documentário Panair do Brasil, de Marco Altberg - vale a pena assistir! O filme mostra a força da memória de uma gente que sofreu uma das piores formas de coersão: a jurídica e apresenta (para quem não conhecia a história, como eu) mais um capítulo podre da nossa ditadura. A belíssima letra da canção Conversando no Bar de Milton Nascimento e  Fernando Brant, interpretada, claro, pela maravilhosa Elis Regina, é uma resposta para quem pensava que era possível calar, ainda mais quando o que se queria era gritar. O título, a primeira vista nada sugere, mas o que vem com ele é de uma riqueza que só os grandes artistas alcançam. Eis o traleir do filme: 




quarta-feira, 19 de novembro de 2008

(C)eu


Ao olhar para o céu, às vezes, fico a contemplar sua imensidão e a indagar sobre seus mistérios. Paro e penso: o que é esse céu e por quê tantas coisas me diz sem, paradoxalmente, não dizer nada... (talvez porque nada nele seja claro e, quando o é, a luz do Sol ofusca). Frequentemente toma-me como espelho e no embaralho que me causa, entre o eu e o não-eu encontra um espaço para ali refletir. E então, eu tenho um céu dentro de mim. E a solidão da ausência de moi-même. Agora só escuto a Deus.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Imagem e Poesia


















Cada peça de mim não me contém

e eu não contenho nada pois sou peças

que apenas a memória finge um todo.

Se tudo faz sentido nada o faz.

Um todo me contém cada e a memória

não finge peças pois apenas sou.

Nada eu de mim contenho que não peça.

Se tudo faz o nada faz sentido.

Não peça apenas a memória um todo.

Contenho e sou pois nada não contém

cada eu que de mim me finge peças.

Se faz sentido faz o nada tudo.

Finge peças de mim pois sou-me um todo

e cada peça apenas não contém

a memória que não contenho nada.

Se nada faz sentido tudo o faz.


Certa vez recebi de uma amiga esse poema de Antônio Cícero e, ao lê-lo, logo lembrei-me de uma imagem de Salvador Dali. Escrito vinte e tantos anos depois, o poema de Cícero joga com as figuras de linguagem tanto quanto Dali jogava com suas "figuras de imagem", algo me fez assciá-los. As partes do poema foram se encaixando pouco a pouco em minha mente, até que a memória buscou a Galatea Of The Spheres. Nada ali chegou a completar-se, mas as partes me pareciam bem uma ao lado da outra.